Há quem diga que a vaca, do ponto de vista produtivo, é o animal mais ineficiente da pecuária. Na média Brasil, a idade ao primeiro parto é de 3 a 4 anos, com 65% de desmama e produção de 01 bezerro a cada 15 meses. Resultados como esse são fruto de uma pecuária extrativista. Nesse sentido, o caminho para atingirmos melhores índices, com animais emprenhando mais jovens e no máximo até 70 dias pós-parto, deve respeitar o tripé da produção: genética, sanidade e nutrição, sempre amparado pela palavra-chave: manejo. Um ponto é claro: para conquista de uma pecuária eficiente não existem milagres.Do ponto de vista reprodutivo, a inseminação artificial em tempo fixo (IATF) é uma ótima ferramenta para executar a estação de monta, podendo emprenhar a vaca 35 dias pós-parto. Sem protocolos, na melhor das hipóteses, teríamos o retorno do cio 60 dias pós-parto e, com isso, aquele intervalo de 70 dias já teria sido perdido. Ainda, a IATF contribui para concentração de nascimentos, disponibilidade de pasto no pós-parto, desmama de bezerros mais pesados e otimização do trabalho dos vaqueiros na fazenda. É nesse mar de benefícios que não podemos ignorar que a IATF implica em alta frequência de interações entre homens e animais durante os manejos no curral, com alto potencial de ativar os mecanismos do estresse nas vacas.
A questão é: será que todas as vacas reagem da mesma maneira ao manejo no curral? Basta passar um dia de manejo no curral para perceber que alguns animais são mais estressados do que outros. Curiosamente, as vacas variam na percepção e nas respostas ao manejo, caracterizando diferenças individuais na susceptibilidade ao estresse, explicado em parte pelo temperamento do animal. Este, por definição, é uma característica do indivíduo que expressa à intensidade da reação (respostas de alarme, luta e fuga) frente a um agente externo (i.e.: homem), principalmente em situações que ativam o medo. Do ponto de vista prático, a facilidade ou a dificuldade de realizar o manejo das fêmeas no curral, durante o protocolo da IATF, pode ser considerada um bom indicador do temperamento dos animais.
Temos então que: vacas calmas, mansas e tranquilas, formam o grupo de animais de bom temperamento; e aquelas agitadas, nervosas e reativas, as do grupo de pior temperamento. Apesar de fazermos a avaliação de temperamento, instintivamente, existem métodos objetivos e validados cientificamente para esse fim, como alguns indicadores fisiológicos, muito utilizados no meio acadêmico. Na prática, em fazendas que desejam considerar o temperamento como critério de seleção, o método mais objetivo e prático seria o teste de velocidade de saída (VS), no qual leva-se em consideração a velocidade (m/s) com que o animal sai do tronco de contenção em direção a uma das divisórias do curral. Realizar esse teste é simples, basta ter uma distância conhecida a ser percorrida pela vaca e medir o tempo que ela levou para percorrer tal distância. Com as duas medidas em mãos, calcula-se a velocidade de saída. Dessa forma, é possível fazer um comparativo e perceber como é o temperamento dos seus animais. Vacas com menores VS são aquelas com melhor temperamento.
Mas você deve estar se perguntando: o que uma coisa tem a ver com a outra? O que o temperamento da vaca tem a ver com a eficiência reprodutiva dela? A resposta é simples: tem tudo a ver! Como já discutido, vacas de pior temperamento são mais susceptíveis ao estresse, e estresse é o inimigo da reprodução.
Entenda o que acontece: cada vez que a vaca mais reativa vai ao curral, ela ativa com maior facilidade os mecanismos do estresse, se comparado com a vaca calma, uma vez que ela recebe a situação de maneira muito mais ameaçadora e perigosa. Nesse momento, uma série de reações hormonais com relação direta à eficiência reprodutiva são alteradas. Nesse caso, vacas reativas, quando submetidas ao manejo e ao contato com o homem, ativam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, resultando no aumento da concentração de ACTH (hormônio adrenocorticotrófico) e cortisol (o famoso hormônio do estresse). Esses e outros hormônios relacionados ao estresse prejudicam diretamente o mecanismo fisiológico relacionado à fertilidade das vacas, como: o retorno do cio, a formação e ovulação de oócito de qualidade e o estabelecimento da gestação. Mais especificamente, a elevada concentração de ACTH e cortisol atingem as gônadas e quebram a síntese e o lançamento das gonadotrofinas (LH: hormônio luteinizante e o FSH: hormônio folículo estimulante), reduz a sensibilidade do cérebro ao estrógeno e prejudica a produção de progesterona pelo corpo lúteo.
Mas, o que fazer com as vacas reativas? Precisamos primeiro lembrar que a formação e a expressão do temperamento da vaca é fruto de uma interação entre fatores genéticos e ambientais. De maneira geral, as vacas zebuínas levam a fama de serem mais temperamentais do que as taurinas, principalmente quando mantidas sob criação extensiva, como no nosso caso. Apesar disso, o efeito genético no temperamento deve ser considerado com cautela, uma vez que fatores ambientais como o sistema de criação e a qualidade da interação homem-animal tem sido amplamente estudado e são capazes de alterar o temperamento dos animais, tornando-os menos reativos. Lembre-se que vacas têm ótimas memórias.
A interação homem-animal pode ser facilitada quando selecionamos animais mais dóceis, uma vez que estes são mais fáceis de serem manejados e se estressam menos que animais com pior temperamento. Mas os efeitos da seleção genética acontecem em longo prazo. Pensando no curto prazo, a atitude e o comportamento dos vaqueiros e colaboradores durante o manejo têm um papel fundamental na redução do medo e do estresse dos animais, podendo promover a melhoria no temperamento. O comportamento dos colaboradores com relação aos animais pode ser melhorado através da seleção criteriosa de pessoas e com o desenvolvimento de programas de treinamento planejados, para diminuir o estresse no manejo e melhorar o bem-estar de todos, homens e animais. Outra forma de minimizar a reatividade dos animais ao manejo é através dos métodos de aprendizagem, sendo eles: a habituação e condicionamento operante com reforço positivo, os mais utilizados.
Ainda, o temperamento da vaca deve ser considerado uma característica com valor econômico intrínseco. Vacas de pior temperamento possuem pior escore de condição corporal, reduzida taxa de detecção de cio e concepção e, além disso, desmamam bezerros mais leves. Essas mesmas vacas resultam em maiores riscos de acidentes com elas próprias e com os colaboradores (elas pulam as cercas, forçam as saídas e investem), atrasam o manejo rotineiro da fazenda, implicam em maior manutenção das estruturas e se machucam mais, sendo facilmente observado hematomas nas carcaças, por exemplo.
Para finalizar, o manejo no curral durante a IATF, a interação entre homem-animal e o temperamento dos animais têm uma relação direta com a eficiência reprodutiva e, em partes, pode explicar as dificuldades que encontramos para alcançar os índices desejados dentro da fazenda. Lembre-se que o estresse libera cortisol no sangue que, por sua vez, bloqueia os hormônios sexuais esteroides, fundamentais para a fertilidade da fêmea. Vaca estressada sempre será mais difícil de emprenhar!
Fontes: Agroceres Multimix